O futuro do Brasil depende dessa eleição de Lula. Entrevista especial com Roberto Andrés

“A perspectiva de futuro do Brasil consiste na possibilidade de Lula se eleger presidente em 30 de outubro. Essa talvez seja a tarefa mais importante no Brasil dos últimos 30 anos e, se isso não acontecer, é difícil falar de futuro para o Brasil, pois será um futuro que aponta para tendências que misturam Estado Islâmico com Hungria, autocratização com fundamentalismo religioso que, de fato, tende a desestruturar elementos muito básicos da vida democrática”, afirma Roberto Andrés, professor da UFMG, em entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

IHU

Roberto Andrés tem graduação e mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Também é doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo – USP. Atua como professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG, pesquisador do grupo Cosmópolis (CNPq) e revisor do Journal of Public Spaces. É coorganizador dos livros Guia morador (2013), Escavar o futuro (2014) e Urbe urge (2018). Foi um dos fundadores da revista Piseagrama e seu coeditor entre 2011 e 2020.

Eis a entrevista.

IHU – Quais são as luzes que se revelam a partir do resultado das urnas?

Roberto Andrés – Existe um movimento de um campo político brasileiro de renovação que vem acontecendo desde a metade da década passada e que vem se fortalecendo. Falo de um movimento que se conecta com as periferias, mas maiorias sociais que são subalternizadas e que têm sido capazes de impulsionar candidaturas protagonizadas por esses sujeitos.

Em 2016, Áurea Carolina foi eleita vereadora em Belo Horizonte, Marielle Franco no Rio de Janeiro, Talira Petroni em Niterói, Ivan Moraes em Recife, Marquito em Florianópolis e a bancada ativista em São Paulo. Eram experiências pequenas, singelas, mas que tiveram destaque grande naquele contexto de eleições municipais. Essas experiências se conectaram, passaram a formar uma rede de aprendizado com outras experiências.

Em certo momento, isso tudo desembocou numa rede que se chamou Ocupa Política, que fez uma série de encontros e foi reunindo outros ativistas, grupos, coletivos sempre ligados a periferias urbanas, movimentos de mulheres, movimentos feministas, os movimentos indígenas, movimento negro, ativismos pelo meio ambiente, pelas cidades, etc. Essa rede, junto de outras em torno do mesmo ecossistema, foi crescendo ao longo dos anos, extravasando os primeiros partidos em que estavam e vemos o resultado dessas diversas redes nas eleições de 2022.

Vemos a eleição da Célia Xakriabá, primeira deputada federal indígena por Minas Gerais, da Erika Hilton e da Duda Salabert, deputadas federais transexuais. Vemos, ainda, a eleição de uma pessoa como Guilherme Boulos, que é uma liderança do movimento pela moradia com uma votação muito expressiva em São Paulo. Vemos a reeleição de Talira Petroni, a eleição do pastor Henrique Vieira, Fábio Félix como deputado distrital em Brasília mais votado, Max Maciel, Dani Monteiro, Dani Portela no Recife, quantas e quantos deputados eleitos vindos das minorias, das bases. São pessoas que há dez anos não tinham nenhum espaço na política brasileira. Esse movimento não é irrelevante, tem crescido, tem força, é muito importante no sentido de reconexão das esquerdas com diversos grupos sociais que ficaram alienados dela.

No entanto, eles têm uma caminhada longa para se tornar mais forte, capaz de disputar a sociedade como um todo. Mas devemos nos atentar a esse movimento que vem crescendo, deveríamos fortalecer essas candidaturas, até porque muitas delas têm sofrido ataques fortes depois que passam a exercer seus mandatos. E deveríamos contribuir para que mais e mais candidaturas com povo popular, periférico, da base da sociedade possam emergir e disputar a política nos partidos do campo progressista.

IHU – E quais são as sombras que aparecem a partir dessas eleições?

Roberto Andrés – Nesta eleição, não faltam sombras. Podemos falar tanto das sombras no nosso modo de enxergar, as sombras epistemológicas, quanto do lado sombrio da política. Começando pelas sombras de nossa visão, é impressionante que não tenhamos sido capazes de enxergar, mais uma vez, que nos subterrâneos da sociedade havia uma mobilização muito forte da extrema-direita para, num último momento, conseguir, mais uma vez, eleger surpreendentemente deputados, senadores e governadores de uma forma que as pesquisas não haviam captado. As pesquisas para o Senado indicavam um número muito alto de indecisos até as vésperas da eleição e apontavam um cenário. De repente, parece que um grande número desses indecisos migrou para candidatos bolsonaristas, num processo avassalador de captura desse eleitorado que nós não conseguimos ainda compreender como se dá.

Temos, assim, uma sombra no modo de operação dessa forma de comunicação política da extrema-direita. O que aponta, também, para uma sombra de nossa compreensão da própria sociedade brasileira. Depois de uma pandemia, de um governo trágico, destrutivo, incompetente e corrupto, incapaz de realizar qualquer coisa, vemos uma quantidade tão grande de pessoas votando tanto no candidato a presidência Jair Bolsonaro quanto nos candidatos apoiados por ele ao Congresso e ao Senado. Essa quantidade de pessoas considerando isso é um pouco aterrador e aponta para uma diferença de perspectivas de mundo radical no país, e mesmo uma incapacidade do campo progressista de enxergar esse outro mundo, essa outra perspectiva, que leva alguém a votar nesses candidatos.

Por fim, tem esse lado sombrio, que mais uma vez mostra sua força no Brasil e no mundo, que é a extrema-direita fascista que conseguiu se fortalecer ainda mais, se enraizar e se colocar num lugar de substituição mesmo, aparentemente muito consolidada, da direita brasileira. Isto acaba transformando a disputa política muito mais violenta, muito menos civilizada, muito mais destrutiva e muito mais difícil para o campo progressista se contrapor.

IHU – Quais as perspectivas de futuro que emergem a partir do resultado das urnas?

Roberto Andrés – A primeira questão de perspectiva de futuro é a possibilidade de Lula se eleger presidente em 30 de outubro. Essa talvez seja a tarefa mais importante no Brasil dos últimos 30 anos e, se isso não acontecer, é difícil falar de futuro para o Brasil, pois será um futuro que aponta para tendências que misturam Estado Islâmico com Hungria, autocratização com fundamentalismo religioso que, de fato, tende a desestruturar elementos muito básicos da vida democrática. São elementos como o respeito à diversidade religiosa, o respeito e a passividade à diversidade de opiniões, o direito a posição política sem ser assediado pelo Estado. Tudo isso tem risco com a reeleição de Bolsonaro.

Sabemos que a possibilidade de interferência no Supremo, nos órgãos de controle é muito forte com a possível reeleição. Também há possibilidade, se a reeleição ocorrer, de avanço no desrespeito a direitos humanos e a direitos político, por exemplo, a prisão de ativistas e opositores do governo, como vemos acontecer na Hungria, na Polônia.

O futuro do Brasil depende dessa eleição de Lula. É muito impressionante que estejamos nessa situação, visto que estamos com o maior líder político da história do país, que montou a maior coalização eleitoral em disputas presidenciais, que reuniu em sua coalização da esquerda à direta liberal, reuniu de [Guilherme] Boulos a [Henrique] Meirelles, passando por Marina Silva, Geraldo Alkmin e André Janones e, mesmo assim, está sendo uma tarefa muito difícil vencer o governo mais incompetente, mais destrutivo da nossa história brasileira.

Obviamente não seria fácil vencer um governo que busca a reeleição, que tem a máquina na mão e que despejou bilhões do orçamento secreto na economia, que despejou bilhões na redução dos preços de combustíveis e para diversos tipos de apoio a setores. Ainda assim, é muito impressionante que estejamos no limiar de vencer.

Por fim, se vencermos, e espero que vençamos o governo Bolsonaro em 30 de outubro, e vamos precisar um grande esforço para isso, teremos uma tarefa ainda muito difícil para o governo Lula, que é governar um país com um Congresso mais radicalizado à direita ainda, um Senado muito marcado por figuras bolsonaristas, muitos governos estaduais à direita. E, ainda, com país destroçado, com roubo fiscal gigantesco gerado pelo governo de Bolsonaro, com muitas políticas públicas desestruturadas, um cenário econômico internacional que não parece ser muito favorável e uma necessidade de retomar o crescimento e, ao mesmo tempo, promover políticas de bem-estar para o meio da pirâmide que foram uma certa dificuldade do lulismo. É uma perspectiva de futuro que, no melhor dos casos, vai ser muito difícil e é por ela que temos que trabalhar.

Multidão na Praça da Estação, em BH.Créditos: Ricardo Stuckert

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